sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Quem me estuprou.


Hoje fui estuprada. Subiram em cima de mim, invadiram meu corpo e eu não pude fazer nada. Você não vai querer saber dos detalhes. Eu não quero lembrar dos detalhes. Ele parecia estar gostando e foi até o fim. Não precisou apontar uma arma para a minha cabeça. Eu já estava apavorada. Não precisou me esfolar ou esmurrar. A violência me atingiu por dentro.

A calcinha, em frangalhos no chão, só não ficou mais arrasada do que eu. Depois que ele terminou e foi embora, fiquei alguns minutos com a cara no chão, tentando me lembrar do rosto do agressor. Eu não sei o seu nome, não sei o que faz da vida. Mas eu sei quem me estuprou.

Quem me estuprou foi a pessoa que disse que quando uma mulher diz “não”, na verdade, está querendo dizer “sim”. Não porque esse sujeito, só por dizer isso, seja um estuprador em potencial. Não. Mas porque é esse tipo de pessoa que valida e reforça a ação do cara que abusou do meu corpo.

Então, quem me estuprou também foi o cara que assoviou para mim na rua. Aquele, que mesmo não me conhecendo, achava que tinha o direito de invadir o meu espaço. Quem me estuprou foi quem achou que, se eu estava sozinha na rua, na balada ou em qualquer outro lugar do planeta, é porque eu estava à disposição.

Quem me estuprou foram aqueles que passaram a acreditar que toda mulher, no fundo no fundo, alimenta a fantasia de ser estuprada. Foram aqueles que aprenderam com os filmes pornô que o sexo dá mais tesão quando é degradante pra mulher. Quando ela está claramente sofrendo e sendo humilhada. Quando é feito à força.

Quem me estuprou foi o cara que disse que alguns estupradores merecem um abraço. Foi o comediante que fez graça com mulheres sendo assediadas no transporte público. Foi todo mundo que riu dessa piada. Foi todo mundo que defendeu o direito de fazer piadas sobre esse momento de puro horror.

Quem me estuprou foram as propagandas que disseram que é ok uma mulher ser agarrada e ter a roupa arrancada sem o consentimento dela. Quem me estuprou foram as propagandas que repetidas vezes insinuaram que mulher é mercadoria. Que pode ser consumida e abusada. Que existe somente para satisfazer o apetite sexual do público-alvo.

Quem me estuprou foi o padre que disse que, se isso aconteceu, foi porque eu consenti. Foi também o padre que disse que um estuprador até pode ser perdoado, mas uma mulher que aborta não. Quem me estuprou foi a igreja, que durante séculos se empenhou a me reduzir, a me submeter, a me calar.

Quem me estuprou foram aquelas pessoas que, mesmo depois do ocorrido, insistem que a culpada sou eu. Que eu pedi para isso acontecer. Que eu estava querendo. Que minha roupa era curta demais. Que eu bebi demais. Que eu sou uma vadia.

Ainda sou capaz de sentir o cheiro nauseante do meu agressor. Está por toda parte. E então eu percebo que, mesmo se esse cara não existisse, mesmo se ele nunca tivesse cruzado o meu caminho, eu não estaria a salvo de ter sido destroçada e de ter tido a vagina arrebentada. Porque não foi só aquele cara que me estuprou. Foi uma cultura inteira.

Esse texto é fictício. Eu não fui estuprada hoje. Mas certamente outras mulheres foram.


Quer saber quem escreveu esse texto?
"Tudo o que você precisa saber sobre mim é que eu escrevo. Sobre mim, só quando não tem outro jeito. Nasci em 82 e fui criada no Recife. Herdei da minha avó, de descendência eslovaca, o sobrenome Valek e uma velha máquina de escrever Remington, onde criei minhas primeiras histórias. Escrevi diversos quadrinhos e contos sob o pseudônimo de Olavo Blah, e fiz carreira publicando minhas histórias em fanzines xerocados e distribuídos de mão em mão. Um dia acreditei que trabalharia como ilustradora na Marvel. Mas larguei a faculdade de Artes Plásticas e fui estudar para concurso público. Passei na prova do Senado Federal e me mudei para Brasília com catorze gatos. Foi mais ou menos nessa época que criei o blog e comecei a escrever mais do que nunca. Pedi exoneração e decidi que ia terminar a faculdade, mas acabei mudando de curso: Comunicação. Foi quando a primeira agência de publicidade me contratou e, durante os quatro anos em que fiz faculdade, tirei uns trocados como redatora para sair do Brasil. Hoje moro na Argentina, sou redatora de aluguel, e, eventualmente, escrevo a seção de horóscopo para um pequeno jornal local na cidadezinha de Rosario."

6 comentários:

  1. Que susto sua louca!!Quando vi o titulo e o começo achei que vc tinha sido estuprada #Deusémais.Bom tava dando uma passadinha pela loja de doces...hahahaa
    Beijinhos~
    Amo Chiclete
    (visita no perfil)

    ResponderExcluir
  2. nossa! que texto forte!! assustei no começo, achei que tinha acontecido c vc!

    ResponderExcluir
  3. nossa que texto forte! assustei no começo! achei que tinha acontecido isso c vc! que bom que está bem!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Quando eu li também achei que fosse bem forte, mas adorei a mensagem que ele passou, então resolvi compartilhar.

      Excluir
  4. Texto muito forte ! Mas descreve muito bem o q a mulher sentiu . Isso é importante repassar pra sociedade . Resolvi compartilhar também (:

    ResponderExcluir
  5. muito bom! Ideias otimas a escritora tem. Otimo!

    ResponderExcluir

ShareThis