quinta-feira, 28 de março de 2013

Alice



       E ele abriu a torneira lentamente, colocando as mãos pálidas embaixo da água. Amava Lara, sempre amou. Soube disso na noite - terrível noite - em que seus olhos encontraram os dela: já mortos, sem brilho e nem cor. E depois daquilo ele jurou que nunca mais amaria novamente.
      Nunca se esquecera do tal fim de semana: um acidente, uma vida, dois corações, um barulho de tiro que cortara o vento gélido daquela noite. E passaram-se meses, dias, será que nem um ano completo seria o suficiente para apagar a cena fúnebre de sua mente?
      Até que surgira Alice. 
      Alice, baixinha, dos cabelos vermelhos e dona de um sorriso que iluminava qualquer ambiente. Ah Alice, possuía o dom de fazer todos se sentirem especiais, qualquer um que fosse. Ele.
      E de repente a caixa da padaria não possuia mais os olhos de Lara, e sim o sorriso de Alice. As azaléias do balcão não exalavam o perfume de Lara, e sim o do cabelo ruivo de Alice. 
      Mas não, não deveria pensar nisso. Afinal, prometera para si mesmo que Lara era a única. 
E agora lá estava ele, com as mãos debaixo da água, olhando o próprio reflexo no espelho. A brisa suave invadia o banheiro pela janelinha, o barulho da água em contato com a pele fez com que ele despertasse. Em fronte a pia, ele as comparou mentalmente. E entre todas as centenas de diferenças que elas possuíam, ele listou a mais óbvia e dolorida. Seria a resposta suficiente para suas perguntas?
     Não, não iria mais pensar nisso. Afinal, Lara seria eterna no coração dele... Não foi isso que ele jurou pra si mesmo quando viu seu corpo frio sobre o lençol de seda fina? Quando ele retirou suas roupas do armário, ciente que não as guardaria mais nenhuma vez?
     Um arrepio tomou conta de seu corpo, o toque do telefone o afastou de seus pensamentos obscuros. Com as mãos ainda molhadas, correu até a sala, vendo o nome no visor do aparelho eletrônico:
                                                                    Alice.

     E ele sentiu uma pressão dentro dentro suas veias, uma energia que não sentia há semanas, meses,  anos... Talvez pela primeira vez na vida? Era como se abrissem uma gaiola de borboletas, que libertas, voavam descontroladamente pelo seu estômago.

    E foi aí que percebeu que amava. Não só a energia, a pressão, os pássaros, mas sim a razão de todos eles: a garota baixinha, de cabelos vermelhos, batizada pelo pai viúvo como Alice.

Que Deus guarde a Lara.


                                                                                                                
                                                                                                                  Bárbara Aoki

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