terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O Primeiro Amor




            Se é uma história melancólica? Não sei. Se é encantadora? Não me atrevo a dizer. O que narro é uma história que parte da minha ignorância em relação aos fatos descritos, fatos que escrevo sem qualquer traço de pudor aparente. Na realidade, não sei ao certo do que se trata. Não sei, foi um fato que vi, e não inventei (há partes em que sou obrigado a inventar). E também não sou desses que lê muito para entender literatura: sou observador e pronto. Não sei também o porquê de estar escrevendo texto tão banal já que de nada me servirá. Acho que a tentativa de quebrar minha rotina monótona ou o próprio cansaço que foi se acumulando em minhas costas ao passar dessas semanas sucedeu minha vontade de fazer qualquer coisa.
            Talvez se Newton não tivesse descoberto a Lei da Gravidade, quem a teria descoberto? Será que ele mesmo a descobriu, ou fora um fato naturalmente descoberto? Será que ele descobriu uma relação entre uma maçã ou a maçã que o concedeu todas as respostas?
            Ignorando fragmentos físicos pois nem mesmo sou um para testemunhar e argumentar tal fato, começo minha história como uma doce menina, uma menina tão doce quanto a maçã de Newton, a maçã das descobertas, a maçã proibida.
A menina, no entanto, era ingênua, excluída e perdida nesse mundo, que há muito também está perdido.
            Usava aqueles óculos grandes e redondos, quase tão grandes quanto o seu rosto também arredondado.  Seu cabelo, ondulado, grande e muito volumoso, cobria-lhe suas espinhas involuntárias.
            Vestia trajes antigos e esfarrapados, e era assim mesmo que saía. À escola, às festas, aos passeios, a todos os lugares. Não se importava.
            Todos os dias chegava à escola e se escondia debaixo de uma árvore. Pegava seu livro e assim o devorava alegremente. O livro era seu único amigo. Era sua única companhia. Nunca a deixaria nas mãos, nunca a faria sofrer.
            Não que não tivesse amigos. Tinha. Mas eram tão poucos que mal conseguia encher os dedos.
            Ao seu redor ouvia murmúrios por toda parte. Estariam falando dela? Mal escutava, na verdade.
            Todas as sextas, ao invés de passar a tarde inteira no cabeleireiro, se pintando e escolhendo qual vestido era o mais curto (coisa típica das outras meninas), ela se enrolava em seu cobertor, pegava sua quota de comida e ali ficava, sentada na cama, assistindo a filmes românticos, e se emocionando a noite inteira.
            Nunca sequer ia à festas. Toda semana havia uma, mas ela preferia morrer a ter que ir a uma. Só em ocasiões especiais. Mesmo assim, além de ser obrigada a ir, vestia a primeira roupa que via pela frente. 
            Sendo bem sincero, acho que a menina nunca ia à festas porque tinha vergonha. Vergonha de seu corpo nunca tocado, corpo pouco atrativo. Então decidia não ir – também porque não sabia enfeitar-se, mal enfeitava sua vida. Ou tinha medo que a roupa talvez pudesse brilhar mais que ela mesma?
 Outra informação que descobri recentemente é o fato de ela não saber dançar: suas pernas nuas e mal depiladas tremiam devido ao mau equilíbrio que tinha em usar saltos altos.
            Namorados? Nunca havia passado em sua mente.
E o amor?
Bem, essa palavra nunca existiu em seu dicionário, e o fato de tê-lo um dia também era algo muito longínquo. Mal se importava com ele, na verdade. Queria mesmo era fazer outras coisas. O amor entra como segunda opção.
Um dia, porém, a garota recebeu um comunicado de seu pai, falando que no próximo mês eles se mudariam ao Rio de Janeiro, pois ele havia sido transferido.
Não fazia a menor diferença para a menina. Sairia de lá sem nenhuma amizade importante deixada de lado; sem nenhum coração partido.  
Mas descobriu-se mais tarde que ficar onde estava seria a melhor opção a se tomar. Quem sabe se continuasse a viver sua vida medíocre, não teria passado pelas angústias que todos passam?
Um dia antes da viagem, já arrumadas as malas, despediu-se de seus pouquíssimos amigos, e de alguns familiares que por ali ficaram. Sem lágrimas, sem remorsos.
Terminada a viagem, finalmente hospedaram-se na nova casa.
Fazia um calor escaldante. Os pais decidiram dar uma passada à praia. A menina recusou. Preferia ler a luz do sol. Odiava ficar de biquíni, seminua, à mostra de centenas de pessoas que mal conhecia.
E assim ficou, lendo a tarde inteira no calor escaldante com um calça surrada e uma blusa maior que ela mesma, comendo uma enorme barra de chocolate, que já derretia na embalagem.
Interrompendo novamente, tenho uma observação a fazer: desconfio que a menina comia muito chocolate para adocicar um pouco sua vida amarga e insossa. Bebia muita água, talvez, para refrescar a alma, e muitas bebidas quentes para esquentar seu coração jovem – mas não julgo a menina: melhor um coração vazio de amor que um quebrado em pedaços pela decepção.
No dia seguinte a menina entrou na nova escola, muito mais movimentada do que a antiga. Procurou sua sala, nervosa. Seu livro estava grudado, apertado contra o seu peito.
Quando finalmente encontrou a sala e entrou, todos a encararam. Tudo bem. Estava acostumada com esse tipo de comportamento. Sentou-se em uma cadeira na primeira fileira, e lá ficou paralisada, sem saber o que fazer.
No recreio, fez o que sempre fazia em sua antiga escola: instalou-se debaixo de uma árvore e começou a ler. E assim ficou os vinte minutos, lendo e comendo uma maçã.
Talvez se não estivesse na mesma posição de Newton, não teria descoberto o que estaria por vir.
Agora ela estava pior do que antes. Sem nenhum amigo.  Pelo menos antes tinha duas ou três pessoas, na qual podia conversar sobre matemática, grandes nomes da literatura e assim vai... Mas e agora?
O sinal fez seu trabalho diário, e tocou. Tocou barulhentamente.
A menina então se levantou por obrigação, e ao se virar, deixou seu único amigo cair de seus braços. Ele estava aberto, morto no chão. Ela havia esbarrado em alguém.
Um garoto.
Este então se agachou, pegou o livro vestido com uma pequena camada de terra, limpou a capa e as folhas – que agora não se encontravam tão ebúrneas como antes – com as mãos finas e entregou generosamente à menina.
Os dois se entreolharam por alguns segundos. Segundos suficientes para uma reviravolta. Porque olhos conseguem dizer muito mais que palavras ditas: são os melhores meios de comunicação.
A vida finalmente lhe fazia algum sentido.
A menina estava paralisada. Algo a dominava...
Estava possuída, estava com uma corda no pescoço.
Tentou dizer um “obrigada” ou algo do tipo, mas não conseguiu: não encontrou palavras.
Ela pegou o livro delicadamente, aceitando a oferta do garoto.
E ele apenas sorriu e foi embora.  
            

7 comentários:

  1. Já disse quão fantástico são seus textos?
    Você começa a ler, e não dá vontade de parar...
    Parabéns! (:

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    1. Nossa, muito obrigado, sério, significa muito pra mim!!!! ;)

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  2. Nossa, texto MARAVILHOSO *-*
    amei, parabéns!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. O primeiro que voce me mostrou, nunca vou esquecer...

    enfim, lembrarei dele quando você estiver autografando o meu exemplar do seu livro (que tem que ter no minimo 2 páginas só de dedicatoria pra mim hahahah)

    não sei quem amo mais, voce ou texto hahaha

    abçs de sua admiradora secreta (tambem conhecida como bárbara aoki, rs)

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  5. Mas que suave gracejar de palavras! Não pare de escrever, rapaz. Nunca pare de escrever.
    -A.

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