Eu me aproveitei por ela não me conhecer. Eu a conhecia. Não sabia ainda a cor ou a comida preferida, mas já havia ouvido falar que gostava de chuva e boatos sobre onde passava as férias. Ela não me conhecia, nadinha, nem se eu fazia aniversário no fim ou no início do ano. Nem se meus olhos eram pretos ou claros. Ou se eu estava de passagem ou vinha em definitivo. Mas ela tinha olhos de mistério, e isso ninguém precisou me contar. Daquele mistério eu gostava, atiçava alguma curiosidade minha que vivia uma morte lenta. E, se eu bem estava certo, ela também passava por aquelas ruas desertas que eu passava. Mulher alguma gostava de mistério sem ir atrás dele. E ela passou…. Na rua, com a chuva, olhos delicadamente escuros e loucos pelo mistério. E sim, eu me aproveitei. “Você não me conhece, mas eu já te conheci”. Ela não correu, e eu já imaginava que ela era dessas que não correm, que pagam para ver, deixam o cabelo ir no vento sem ter a vaidade de arrumar num rápido segundo. Ela deixa tudo ir, desorganizar-se, seja o cabelo ou o pensamento. Não me conhecendo, armou os braços em volta do próprio corpo; era proteção o bastante para ela. Eu não era psicótico, mas ela ainda não sabia. “Como me achou?”. Ela já sabia: “essas ruas são a sua cara”. “E por que seriam a sua também?”. Sorriu debochada. Riso nervoso, mas debochado. Não respondi. Fiz o jogo de responder com outra pergunta. “Você não me conhece?”. Balançou a cabeça e olhou para cima, parecia torcer para chover mais. Eu também torcia, e ela nem me conhecia. “Não me achou estranho?”. Saiu andando e me respondeu num fio de vento: “Os conhecidos é que me são estranhos. Vem, ou fica.”
Eu fui. Porque ela não me conhecia. E se conhecesse, adeus romance na chuva.
Por uma noite, muitos estranhos se amam.
Camila Costa.
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