Sempre imaginei um final menos melancólico para esta história. É, como toda história, esta teria de ter um fim. É engraçada a maneira como vivemos a vida como se ela nunca fosse ter fim, como se tivéssemos total controle sobre ela. E quando você menos espera, chega o momento em que a verdade lhe atinge, como um peso de umas cem toneladas na cabeça.
Foram oito anos. E mesmo assim, ainda tenho a impressão de que tudo começou antes de ontem. O frio na barriga, a mochila com cheirinho de nova e o medo da nova escola. O primeiro dia foi pura solidão. As crianças não se conheciam, e a sala de aulas eram um silêncio só. Uma semana depois, aquilo viraria uma bagunça generalizada, que se estenderia pelos próximos anos.
Lembro-me das primeiras intrigas. Das briguinhas idiotas por nota. Das primeiras conversas, das primeiras amizades, das primeiras paixões. Dos risos, das tristezas, das brigas, dos professores insuportáveis, das brincadeiras no jardim e da inocência que ainda habitava a minha mente.
E eu sempre reclamei. Sempre desejei que tudo terminasse o mais depressa possível. Que idiotice. Só hoje percebo a falta que isso tudo me fará. A falta que as pessoas me farão, e o espaço vazio que aquele ambiente mágico deixará em meu coração. As conversas, as piadas, as brincadeiras e todas as idiotices da qual só nós achamos graça.
- Henrique, sabe quem estava atrás de você?
- Não, quem?
- O meu pau!
E quem poderia se esquecer de todas as advertências, suspensões e visitas à diretoria que fizemos? Éramos os melhores e os piores da sala, ao mesmo tempo. E nem sequer sabemos como conseguíamos tal proeza.
O desespero também sempre foi um elemento fundamental nessa trajetória. Os meses de novembro e dezembro sempre foram de extrema correria, e de um total medo de repetir de ano. E quando a notícia de que havíamos passado finalmente chegava, só restavam os gritos de felicidade. Passamos!
Mas neste ano, foi diferente.
Ao olharmos no painel e vermos nossos nomes pintados de amarelo, logo percebemos que, novamente, havíamos sido aprovados. Mas não houveram comemorações, e nem gritos de euforia. Apenas um risinho abafado de quem gostaria que alguma coisa fosse diferente. De quem gostaria de voltar no tempo e reviver novamente cada segundo, como se fosse o último. E, inexplicavelmente, me vi sentindo algo que nunca esperei sentir num momento como aquele: aperto no coração.
Algumas horas se passaram, e estávamos sentados na escadaria em frente à escola. A comemoração que havíamos planejado não saíra como esperado. Depois de algumas garrafas de bebidas, nossos pensamentos giravam, e as lembranças invadiam minha mente de forma assustadoramente rápida. Centenas de flashbacks, de sons, de cheiros, de pessoas… Lembranças daqueles que ficaram pelo caminho, ou que tiveram de ir embora antes do tempo. E por incrível que pareça, a ficha ainda não havia caído, pelo menos pra mim. Até que alguém finalmente disse:
- Acabou.
- Pra nunca mais?
- Nunquinha.
Era um baque. Eu só consegui fechar os olhos, e tentar pensar nos momentos bons. Talvez eles me ajudassem a esquecer a angústia daquele momento. Mas não ajudaram. Pelo contrário, pioraram.
Virei meu rosto, e olhei para trás, para o portão. Pude me ver ali, com uma mochila nas costas, entrando pela primeira vez. E naquela noite, eu havia saído, para nunca mais voltar. Talvez eu tire uma lição disso tudo.Valorizar. Talvez essa seja a grande moral da história, e esse, o ciclo da vida: perder, para dar valor. Mas mesmo assim, eu digo que valeu a pena. E como valeu. Amigos são eternos, não são? Os meus também serão, seja lá onde for. Agora só resta seguir o meu caminho, e deixar para trás tudo isso. Chegou a hora de encarar o mundo real.
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