quinta-feira, 31 de março de 2011

Aquele homem.


     Já era tarde.
     Talvez duas ou três horas da madrugada, eu supunha. Não sabia ao certo. Parecia com um bar. O cheiro de cigarro estava ficando desagradável, e eu ao menos conhecia aquelas pessoas que riam e bebiam e flertavam. As garçonetes davam em cima de homens bonitos, fortes, e até os velhos tarados ganhavam atenção, "Tudo pelo dinheiro", pensei. Meus olhos continuaram procurando algo que eu não sabia o que era, e depois de observar mais um pouco, à alguns passos de mim estavam meus amigos, que na realidade eu não sabia quem eram, mas algo me dizia que eu os conhecia. Dei um sorriso pra eles e comecei a caminhar em direção, mas um homem parou na minha frente antes que eu desse o segundo passo. Ele não era muito alto, nem tão bonito, no entanto era muito sedutor. Sem me deixar pensar, ele se aproximou tanto que eu pude sentir seu hálito doce e seu perfume amadeirado. Aquilo aniquilou qualquer reação que eu deveria ter. Ele me pegou de jeito e me beijou. Nem tentei desviar. "Burra!", pensei. E então me esquivei daquele homem que me seduzira segundos atrás. "Desculpe, eu..." e fui saindo de mansinho. O rapaz não gostou, entrou na minha frente novamente, segurou um dos meus braços com força e com a outra mão me puxou para perto dele. Dessa vez o empurrei com toda a força que eu tinha, que fora suficiente para que ele caísse sentado em um dos sofás ali perto. Saí na disparada em busca de proteção. Ele se zangou. Me seguiu com o olhar que parecia querer vingança. Eu achei aquilo uma besteira, mas meu corpo tremeu de medo. Comecei a correr, e não mais conseguia controlar meus passos que corriam pelo bar, indo em direção à porta mais próxima. Quando menos esperava o rapaz estava atrás de mim. E agora que eu queria correr, meus pés não me deixavam mais. Já estava do lado de fora. E ele se aproximava. Rápido demais. "O que eu faço?", pensei.
     Ele me segurou. Seu braço agarrou meu pescoço, e começava a me sufocar. "Socorro...", tentei gritar, entretanto a falta de ar me impediu. "P... Por... f... fav... favor". Ele não me ouvia. Ele não queria me ouvir. Eu iria morrer. "Mas por que agora? Por que desse jeito?". Eu estava perdendo os sentidos, quando ele me soltou de repente, me deixou cair no chão molhado. Alguém segurou minha cabeça e disse que tudo ficaria bem. Só consegui ver aquele homem paralisado por um facão cravado nas suas costas. "Meus amigos, obrigada".
     Abri os olhos devagar. Ainda estava escuro. O homem ainda estava ali. "Morto", raciocinei. Virei para o lado e procurei por alguém. Ninguém. Nisso, ouço o barulho de folhas secas sendo amassadas, e quando retorno o meu olhar... Está vivo! Em um pulo consegui ficar de pé e sem hesitar comecei a correr em direção ao lugar mais escuro dali. Ele me seguia. Encontrei uma árvore e subi. Ele não viu. Chegou alguns segundos depois, desnorteado, procurava em todas as direções, menos em cima. "Com a sorte que eu tenho, vai me achar". Ele tirou o facão e jogou do outro lado da árvore. Tudo que passava pela minha cabeça, era: como ele conseguira viver? Como eu previa, minha mão escorregou em um dos galhos, fazendo um pequeno barulho, que o fez olhar pra cima. Pulei. Exatamente do lado do facão. Eu não tinha escolha. Peguei o facão e cravei no seu coração. Só consegui ver seus olhos de dor e piedade.
     Ele sussurrou três palavras antes que parasse de respirar: nós nos amávamos.

    Acordei assustada. Foi então que eu entendi. Eu não estava fugindo dele. Eu fugia do seu amor. Tudo aquilo que eu vi, a raiva que eu achei que ele sentira, era só o que eu queria ver. No entanto, ele se reergueu. Mesmo depois de tantos amigos dizerem que eu não valia a pena. E tentou novamente me reconquistar. Só que eu não ouvi, nem tentei, simplesmente caí num abismo de escuridão. E agora? Eu acabara de matá-lo. A partir daquele dia, eu sabia que nada seria da mesma maneira.

Thais Katsumi.

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