terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Amor aos pedaços.


Um branco, um vazio, um oco, um nada, um furo, um preto, um fundo, um fim, um o quê?
Todo mundo no mundo já teve a sensação de não pertencer, de ter se perdido em alguma parte, de não saber o que vai ser daqui pra frente e de como se resolve os problemas quando a sua cabeça está por todas as partes, menos aqui. E de verdade, foi mesmo fácil entender o quão perdido você está agora e como a vida tem sido tudo aquilo que a gente não queria de uma só vez.
Aquele lençól ficou amassado e sujo, mas eu não tive tempo de resolver isso porque o meu avião ia subir. Eu estava indo embora, estava deixando tudo pra trás, estava deixando as minhas coisas, as minhas caras, as minhas dúvidas dali, os meus papéis amassados, as minhas palavras de começo, o meu travesseiro que me incomodava tanto e que virou o meu melhor abraço no dia que você teve que ir embora. Eu deixei a minha cachorra e o amor que ela carregava pela casa atrás de mim. Eu deixei meu coração com ela porque agora ele sangra todas as vezes que eu penso que tive que deixar ela pra trás. Deixei meu ouvido debaixo daquele criado mudo que tinha na gaveta tudo o que a gente começou a construir juntos e foi interrompido, e é certo que meus olhos ficaram presos no Centenial Park perto daquele laguinho onde vocês dois brincavam todas as tardes enquanto eu meditava embaixo daquela árvore imensa que virou minha melhor amiga. Ficou tudo lá.
Aquelas pessoas, lembra? A gente não falava a mesma língua mas era absurdo o quanto a gente era capaz de se entender. Amor é meio universal mesmo e amizade é mais ainda, aquela coisa absurda de sentir a dor e a saudade do outro e fazer toda força do universo pra tentar fazer aquilo passar. Ninguém que a gente gosta pode sofrer. Ninguém que te faz rir quando você queria a sua mãe, que te leva pro hospital quando você desmaia de manhã por pura estafa, que dirige uma hora e meia pra te fazer sopinha porque você está há uma semana de cama, que dorme com você pra te fazer companhia, que ouve, que fala, que ri e que chora com você, nenhuma dessas pessoas deveria poder ir embora do alcance da vista, nunca.
Quando o mundo muda e a gente fica, a sensação é de não saber qual é o próximo passo, literalmente. Onde apoiar seus pés pra não cair de vez já que não se faz a mais remota idéia de pra onde se está indo? E quando a gente vai sem rumo a gente chega a vários lugares, mas também acaba que não chega a nenhum porque no fim nenhum lugar que possamos chegar é aquele em que queremos estar.
A verdade unânime pra mim é que mudar de casa, de país, de amigos e de estilo de vida é quase como se apaixonar, conquistar alguém e depois ter que desistir, superar aquilo. Porque é muito difícil no começo e você sente tanta saudade de tudo que se esmaga pra caber naquela carapuça que vai ter que vestir por escolha própria e acha que tem de gostar; se puni por sentir saudades, fica mal e não conta pra ninguém porque tem que aproveitar o que está acontecendo. Só que é quando a gente vai embora que a gente percebe que algumas coisas, alguns momentos e algumas pessoas ficaram e não vão voltar e quando você volta pra de onde veio inicialmente, nada lá é mais o mesmo também. Porque a vida andou pra eles também. E, muito embora os ares sejam os mesmos, as coisas mudaram de lugar, as pessoas foram e você perdeu muita coisa e, é fato, às vezes não dá pra acompanhar, às vezes dá preguiça de acompanhar.
Agora me diz, como é que se vive sem todas as coisas? As materiais não porque essas é muito bom de ver, não nego, mas são frias e substituíveis. Quero saber o que se faz quando o seu coração se dividiu entre dois lugares diferentes, quando seu bem-querer passou a ser de várias pessoas que não podem estar todas no mesmo lugar do mundo ao mesmo tempo, que a casa da sua mãe deixou de ser a sua casa e que a sua casa não existe mais? Pra onde é que se corre quando os objetivos de uma vida inteira já não fazem assim tanto sentido porque você percebe que seus objetivos eram baseados numa noção de felicidade geral, mas agora você notou que no fundo ninguém é mesmo assim tão feliz, ou tão preocupado e que as pessoas vão simplesmente vivendo sem perceber o leque de possibilidades de descobertas e felicidades que esperam por elas fora do que se é esperado?
É por falta de coragem de analisar à si próprio, talvez, que as pessoas se sintam tão à vontade analisando o comportamento dos outros, o alheio, aquilo que não lhes pertence e nem vai. E é por isso que eu não me importo de todos acharem que eu ando esquisita, ou distante ou que o meu entusiasmo não é assim tão grande pra coisas que deveriam ser. Por mais mesquinho que seja não dividir isso com ninguém, é o melhor que se faz já que as pessoas não vão mesmo compreender.
A verdade é que eu estou com saudade de um tempo que passou, de um lugar que não existe mais, de pessoas que vivem só dentro de mim. A verdade é que de agora em diante vai ser sempre um pouco assim e não é que eu esteja infeliz, é só que agora a minha felicidade se espalhou por aí e ficou, com certeza, muito mais difícil reuni-la inteira num lugar só.

Rani Ghazzaoui

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