Mostrando postagens com marcador não escrito por mim. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador não escrito por mim. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 9 de junho de 2015

The beginning.


Dizem que escrever é como lavar a alma, esvaziar os sentimentos. Eu duvido. Há tanta fúria, tanto medo, tantos tantos dentro deste que escreve, que talvez escrever seja apenas mais uma das morfinas que se encontra por aí. Nem sempre foi assim, houve paz uma vez nessa mente perturbada, quando a maior preocupação que se tinha, era achar pedaços de madeira para fazer bastões de bets, e roubar tijolos das construções para fazer as casinhas. Foi nesse tempo, que a nébula começou, uma série de escolhas erradas, o tal do efeito cascata, me tragou pra dentro do lugar que eu tento sair, todos os dias. Pequenos detalhes, que não receberam a devida atenção, transformaram-se em monstros, que se alimentam dentro da minha cabeça, como vermes dentro de um cadáver em putrefação. Chamam isso de ideias,  eu chamo de parasitas. Uma vez que uma ideia entra na sua cabeça, não há como tira-la de lá, não há como arrancar um pensamento como se arranca um tumor, não há como “desver” aquilo que foi visto, ou suprimir aquilo que se sente.

Texto de Rafael Szpaki.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Bolha de sabão


De repente o mundo real parece afastado. O olhar se fixa em algo qualquer e a visão aos poucos vai embaçando. Presa em uma bola de sabão. Exterior colorido, interior vazio. Uma fina película a separa da realidade e a faz voar. Mas qual o sentido de voar se sabe que antes de alcançar o céu irá estourar? Por que aceita voar por um tempo tão curto? É apenas uma fuga... Foi apenas mais uma tentativa de conseguir a paz do céu azul.

Ela não pode encostar em nada, um vento mais forte a destruiria. ‘Longe, longe da realidade, por favor’, ela implorava pra ficar.

A bolinha parecia dançar com o vento, brincar com a gravidade e zombar dos que não conseguiam tirar os pés do chão. ‘Mais sorte ainda tem os pássaros’ pensava enquanto invejava brandamente as aves que voavam acima dela.

No ar, com suas cores translúcidas e formato exato parecia tão perfeita, soberba, parecia debochar da preocupação humana diária. Mas ela nasceu assim, ela foi feita para embelezar, ser admirada, porém, ter vida curta.

Consegue imaginar uma bola de sabão toda sensível a toque ou sopro mais forte, com vida longa? Não seria nada fácil cuidar de algo tão delicado. Requer muita atenção, paciência, vigília... E em resumo: amor. Como amar eternamente uma bola de sabão? Como cuidar dela? Ela debocha dos defeitos com seu formato perfeito, ela voa e ainda se protege da dura realidade com apenas uma camada fina de água e sabão; ela afasta-se com uma brisa de quem a criou e a admira, e ela é sozinha.

É o que pensam quando a veem. Mas ela carrega dentro do invisível, as partículas de quem a deu vida, ela também vê o mundo depois da camadinha que a recobre. Ela quer a realidade, mas não pode ter, seria o fim de sua existência perfeita. Ela não escolhe para que lado correr, quem decide seu destino e velocidade é o vento, ela é só uma bolinha no ar, só mais uma que ao explodir irá desaparecer. Ela não inveja os pássaros por suas asas, mas por sua livre escolha de voar e pousar onde desejarem, Inveja-os por cantarem, pela expressão que transmitem no canto.

Ter frio, calor, sentir a grama úmida, a areia da praia, ouvir os sons reais, os sons além daquele estúdio fechado com péssima acústica que a cercava, sentir os gostos, os cheiros das comidas bonitas postas à mesa, receber a lambida de um cachorro ou o afago de um gato, assistir um filme antigo em branco e preto ou ao menos enxergar as cores definidas... A realidade pode ser tão cruel e tão encantadora ao mesmo tempo! Por que nasceu bola de sabão?  Por que encantadora, porém presa e ainda por algo tão facilmente destruído? Poderia ser qualquer outra bola. De gude para brincar com as crianças, de futebol balançando a rede nos jogos, poderia ser uma bolinha de vidro tomando o lugar do olho que falta no rosto do pirata, ou mesmo uma bolinha sem graça de gel embaixo de flores artificiais enfeitando e recepcionando pra sempre as visitas em uma sala. Será que quem a criou pensou nisso antes de separar ar, água e sabão do chão?

O menino que assoprou levemente o canudinho embebido em sabão e água nem imagina a intenção da bolinha sobrevoando sua cabeça. O vento tenta a afastar, mas ela insiste em ficar perto de seu criador. Enquanto ele admira sua bolinha transparente e colorida, sua obra, seu sopro, o tempo de vida da bola acaba. Ela explode em milhares de gotículas pelo ar, caindo sutil e vingativamente nos olhos do menino. Seus olhinhos ardem, mas ele não chora.

Escrito por: Kalline Sakurada

sábado, 18 de maio de 2013

A morte é uma piada.


Morrer é ridículo. Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre. Como assim? E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente? Não sei de onde tiraram esta ideia: morrer. A troco? Você passou mais de dez anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não serviriam pra nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente. Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não desistiu. Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente. De uma hora pra outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinquente que gostou do seu tênis. Qual é? Morrer é um chiste. Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida. Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas. Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira. Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu. Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer. Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã. Se faz check-up regulares e não tem vícios, morre do mesmo jeito. Isso é para ser levado a sério? Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não companha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas. Ok, hora de descansar em paz. Mas antes de viver tudo, antes de viver até a rapa? Não se faz. Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça.

Escrito por Martha Medeiros.

sábado, 4 de maio de 2013

Seu pulso.


eu fico aqui me acotovelando com esses imbecis por sua causa, garota. eu tô aqui, aturando a cara amarrada desse barman ridículo por sua causa, girl. e eu sei que seria muito mais eficiente da minha parte se eu simplesmente falasse isso pra você ao invés de apenas pensar e ficar atrás de você com cara de merda. seria muito melhor, para mim, e para você também, eu te garanto, se eu tomasse as rédeas de toda essa situação agora, se eu te pegasse pelo pulso, esse seu pulso lindo que eu quero colocar no meu nariz agora, mas que não é possível por causa dessa turbulência de baladinha da moda, enfim, se eu simplesmente te pegasse no pulso e gritasse, “vamos sair dessa merda, agora, eu quero te amar, porra”. mas eu sou um frouxo mesmo e é festa de aniversário de amiga, ninguém aguenta mais esses rompantes de romantismos babacas, você ficaria brava e eu não quero perder esse seu pulso agora. agora não. ainda bem que você tem esse pulso, menina.

Escrito por J. Castro.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Hoje uma pessoa me fez feliz.


Uma pessoa. Há bilhões de almas formidáveis em todas as partes do mundo nesse exato momento, mas somente uma em especial foi capaz de me arrancar um sorriso sincero. Dessa vez não foi o meu antigo o amor, nem sequer a minha mãe. Não foi a minha melhor amiga, tampouco o ganhador da loteria me doando o prêmio. Hoje quem me fez feliz foi um mero desconhecido. Sem nome, sem endereço, sem telefone. Ou melhor, com tudo isso, mas ainda assim era um avulso no meio da multidão. Tanta gente andando apressada sem olhar pro lado, tanta gente correndo de sabe-se lá o quê, tanta gente tampando os ouvidos pra não escutar os gritos sangrentos vindos do lado de fora. Até que na esquina da Rua 25 com a 26, lá estava ele. Ele, jovem, bem vestido, sem pressa alguma e carregando um sorriso de dar inveja a qualquer par de olhos. Ele que, no meio do horário de pico, da gritaria, da multidão, do choro da criança, da gargalhada da tia-avó de alguém, parou pra prestar atenção em mim. Estranho isso, não? Essa coisa de um estranho mudar o seu dia com um simples gesto, um comentário sem compromisso algum, um bom humor de contagiar a quem passasse por perto. Hoje eu fui feliz pelo simples fato de que fui notada. E ele não fazia o tipo príncipe-encatado-no-cavalo-branco, mas elogiou a minha camisa do Bob Marley. Perguntou se eu gostava de reggae e riu do meu jeito atrapalhado de reclamar de tudo. Não se passaram sequer cinco minutos de conversa, até que ele soltou uma gargalhada e disse: “você é complicada de um jeito engraçado, isso te deixa diferente das outras”. Por Deus! Alguém – sem apresentar qualquer sinal de embriaguês ou de uso de drogas – me achou diferente das outras. Não que isso soasse como um quase-pedido-de-casamento, mas fui capaz de ver estrelinhas brilhando e o termômetro da minha auto-estima ir as alturas. Eu pude rir sem me preocupar com o fato do meu sorriso ser torto, porque certamente ele já havia reparado nisso e continuou me fazendo sorrir mesmo assim. Indiretamente, ele gostou do meu sorriso. E eu fui demasiadamente feliz por conseguir prender a atenção de um cara há quase meia hora sem utilizar recursos vulgares. O cara me chamou de complicada e, pela primeira vez na vida, eu concordei sem me sentir ofendida por isso. Sou mesmo complicada, erronia, estúpida e ignorante, mas, poxa, eu tenho uma camisa do Bob Marley que eu sei que você adorou. E não tenta esconder, porque eu te vi rir daquele meu comentário sobre o tênis do garoto que acabou de passar do nosso lado. Você não perguntou o meu nome nem pegou o número do meu celular, mas eu não me senti um lixo por conta disso. Afinal, eu nunca vi alguém me desvendar tão fácil em uma só conversa - passageira, informal, sem muitas chances de evoluir pra algo maior, tipo um quase-segundo-encontro – portanto, você já garantiu inúmeros pontinhos ao seu favor na minha listinha mental. Ele estava no horário de almoço e o ônibus havia chegado. Tudo bem, hora do minúsculo conto de fadas ir por água abaixo. Vai ver a gente se esbarra qualquer dia na mesma esquina e no mesmo horário, vai saber. Sei que ele nunca vai ler esse texto, por isso eu fecho os olhos e espero que o recado seja entregue por pensamentos bons: obrigada por me fazer deitar a cabeça no travesseiro com um gosto de felicidade no canto da boca.

Escrito por Capitule.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Era uma vez um amor.



- Estou gostando de ti... Acho.
- Somos amigos. E você sabe que acabei de ter uma decepção enorme com uma pessoa.
- Eu sei. Mas não é porque você teve uma decepção que outra pessoa também te decepcionará.
- Eu não penso assim. Nós somos amigos.
- Desculpe, não deveria ter falado.
- Não se desculpe. Quando gostamos de alguém, temos que falar.
- Só não é como num filme que você me dá uma chance e fica tudo bem.
- Eu penso assim, não vejo problemas em falar sobre sentimentos.
- É complicado, pelo menos pra mim.
- Não é complicado. É lindo.
- Lindo quando dá certo. Não tem nada de lindo quando não dá.
- É lindo de qualquer jeito, só seria melhor se desse certo. Isso acontece com todo mundo. Eu mesma passei por isso.
- Por que não podia ser tudo mais simples?
- Porque se fosse simples não teria graça.
- Não vi graça até agora.
- Já passei por isso e, acredite, é normal.
- Minha vida resume-se no filme de hoje. (A arte da conquista)
Risos. - Eu não sou uma vadia fútil.
- E sádica! Posso passar logo pra parte que tudo dá certo?

Escrito por Vincent, modificado por mim.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Ela não me conhecia.



Eu me aproveitei por ela não me conhecer. Eu a conhecia. Não sabia ainda a cor ou a comida preferida, mas já havia ouvido falar que gostava de chuva e boatos sobre onde passava as férias. Ela não me conhecia, nadinha, nem se eu fazia aniversário no fim ou no início do ano. Nem se meus olhos eram pretos ou claros. Ou se eu estava de passagem ou vinha em definitivo. Mas ela tinha olhos de mistério, e isso ninguém precisou me contar. Daquele mistério eu gostava, atiçava alguma curiosidade minha que vivia uma morte lenta. E, se eu bem estava certo, ela também passava por aquelas ruas desertas que eu passava. Mulher alguma gostava de mistério sem ir atrás dele. E ela passou…. Na rua, com a chuva, olhos delicadamente escuros e loucos pelo mistério. E sim, eu me aproveitei. “Você não me conhece, mas eu já te conheci”.  Ela não correu, e eu já imaginava que ela era dessas que não correm, que pagam para ver, deixam o cabelo ir no vento sem ter a vaidade de arrumar num rápido segundo. Ela deixa tudo ir, desorganizar-se, seja o cabelo ou o pensamento. Não me conhecendo, armou os braços em volta do próprio corpo; era proteção o bastante para ela. Eu não era psicótico, mas ela ainda não sabia. “Como me achou?”. Ela já sabia: “essas ruas são a sua cara”. “E por que seriam a sua também?”. Sorriu debochada. Riso nervoso, mas debochado. Não respondi. Fiz o jogo de responder com outra pergunta. “Você não me conhece?”. Balançou a cabeça e olhou para cima, parecia torcer para chover mais. Eu também torcia, e ela nem me conhecia. “Não me achou estranho?”. Saiu andando e me respondeu num fio de vento: “Os conhecidos é que me são estranhos. Vem, ou fica.”

Eu fui. Porque ela não me conhecia. E se conhecesse, adeus romance na chuva.

Por uma noite, muitos estranhos se amam.

Camila Costa.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Os feios são belos.



A menina de coxas desproporcionais
e espinhas recém-curadas não sabe,
mas está sendo observada.

Seus olhos presos ao chão,
procurando sabe-se lá o quê,
os cabelos deliciosamente desgrenhados,
ela nem imagina, nem quer saber,
que está sendo observada,
porque se acha feia demais
pra que isso aconteça.

Os feios são belos
pois deixam suas afetações
em casa.
Sabe aquela vontade de ser visto,
notado, amado, invejado?
Pois bem, os feios deixam essas coisas
em casa.

Então eles, os feios,
enfiam suas caras injustamente desprezadas
entre cabelos mal cuidados,
travesseiros mal amados
e noites mal dormidas,
pois o peso da sociedade dita bela
e o bafo da pose dos ditos lindos,
invadem o quarto dos feios com tanta força
que fica muito difícil dormir
com a barulheira
desses ditos
belos.

Os belos são barulhentos,
pavões gritantes de umbigos enormes,
“Vejam-me!”,
“Admirem-me!”,
“Olhem-me fazendo pose no Instagram!”;
as penas no chão acusam:
aqui esteve o belo.

Louvemos a beleza dos feios, dos imperfeitos,
aqueles que se levantam da cama e, sem artificialismos,
metem a cara na rua e pregam os olhos no chão.

Olhemos os feios.

E a menina de gestos oprimidos
do começo do poema,
aquela toda envergonhada,
meio que se punindo por ser quem é,
lembra dela?

Foi-se embora sem saber
que estava sendo admirada.


(Michel Consolação)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Desista, veja as estrelas.



Sua cabeça pesava por tanto sonhar. Imersa em um mundo onde seu coração era o dono da verdade, perdia sempre a hora, o ponto em que devia descer, a matéria da aula que assistia, o segredo que lhe era contado no ouvido, a oportunidade. Seu universo idealizado era tão incrível que o mesmo supria todas suas necessidades, consolava-a a cada desgosto, enchia-a de esperança a cada lágrima que perigasse cair, fazendo com que ela não precisasse viver o que o mundo ao seu redor lhe oferecia. Pouco. Pra quem se fez em sonhos, não há realidade que realize. 
 Olhando pra dentro de si, via seus olhos como estrelas e sua boca a cuspir margaridas. Mal sabia como era por fora, não precisava.
 Cresceu e, aos poucos, foi tirada de seu mundo e jogada na rua, em meios a outros sonhos despedaçados. Não sabia como viver, mas viveu. Mesmo que no automático. Uma sessão de choro por noite, por motivos variados: não saber lidar, não saber amar, não saber reagir, disfarçar, roubar, enganar, sorrir...sonhar. Não sabia mais fazer nem o que passou anos se especializando. 
 Até que um dia, exausta do universo onde era leiga de tudo, desistiu dele. Já era a quarta vez no mês que seu chefe a chamava pra discutir seus erros. Ela não havia nascido pra aquele mundo. Subiu ao terraço do prédio em que trabalhava e caminhou lentamente até o muro. Ali, à beira do abismo, resolveu olhar pra cima. Há quanto tempo Laura não fazia aquilo? Costume de quem não tem mais o que fazer. O céu é mesmo pra poucos. É pros que respiram. Pros que param, pausam, desistem de vez em quando. O céu é pros que desistem. Ela era uma desistente. Quando sonhava e viajava entre as estrelas (as mesmas que estavam acesas no céu aquela noite), há muitos anos atrás, não sabia, mas estava fugindo e desistindo do que chamamos de "real". Tanto faz. Ela só queria aquela sensação de novo. Afinal, o que a fazia feliz era não viver. 

Adeus, realidade. [...] Boa noite, estrelas! Voltei. Serei sua pra sempre. 

E um clarão (provavelmente efeito da aproximação de tantos corpos celestes) invadiu sua alma, seu coração. Sua felicidade só era real no mundo em que imaginava.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Sonhos.


- Ela visita você em sonhos, sabe?
Reviro os olhos, lembrando-me do único sonho doido que tive, e sei que de jeito nenhum aquela era Riley.
Mas ele apenas me olha, faz que sim e diz:
- É claro que visita. Eles* sempre fazem isso. É a forma mais fácil de conseguir.
Olho pra ele, encostada na porta de meu carro, chave na mão, enquanto passo os olhos por seu rosto. Sei que deveria ir embora, dizer boa-noite e seguir meu rumo, mas por algum motivo não consigo me mexer.
- O subconsciente assume durante a noite, libertando-nos de todas as restrições usuais a que nos submetemos, tudo aquilo que bloqueamos, que dizemos a nós mesmos que não pode acontecer, coisas místicas que achamos que não são realmente possíveis, quando na verdade o universo é mágico, misterioso, muito mais grandioso do que parece. E apenas um véu finíssimo de energia nos separa dele. Sei que é confuso o modo como usam símbolos para se comunicar. E, para ser sincero, não sei quanto disso vem de nós, do modo como organizamos as informações, ou deles, das restrições em relação a quanto têm permissão pra compartilhar.

* Eles: Desencarnados, mortos, almas, ou o que quer que você acredite.

Terra de Sombras - Série Os Imortais, volume 3 - Alyson Noel.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Afinal, de qual fim se fala?


Você viu os noticiários? Aquele furacão lá nos EUA – e eu achava aquele lugar tão protegido –, a onda de assassinatos em São Paulo, a seca no sul do país, guerra, guerra e mais guerra junto com um clima louco. Vê como o mundo está de cabeça para baixo? Dizem que vai acabar mesmo, e isso é apenas o início.


E eu e você? Vamos acabar mesmo? É apenas o início da tormenta também? Teremos eventos suscetivos onde eu choro até secar enquanto você coloca uma aliança na mão de qualquer outra? É assim, não é? Tudo bem que a gente nem começou de verdade, que você vive dizendo que nada é o que parece e eu logo levo para o pessoal. Tudo bem que a gente se desencontra em todo encontro. Mas, olha, o mundo vai acabar, e agora?



Ainda estou tentando me livrar de alguns pesadelos. Terapia não dá certo, quando eu durmo o mundo é outro e nem sempre mais prazeroso. Você lembra aquela noite em que acordei achando que havia levado um tiro? Você sorriu com calma, disse que eu estava mais viva impossível, beliscou o meu braço e fez do pesadelo uma piada, mas uma piada boa. Você me ajudava e eu pensava: tem chance, meu Deus, desse homem não me amar?



O mundo acabando e você ainda nem deve ter dito tudo o que tem para dizer. Eu também não disse. Não gostei quando me convidou para o casamento de um amigo e ficou duas intermináveis horas colocando o assunto em dia com a sua paixão do colegial. Detestei quando contei que meu sonho de lua de mel era em Nova Iorque e você disse "vai precisar de um marido rico". O marido é você, imbecil! Pensei, mas não falei. Detestei também quando adiou por um mês o meu encontro com a sua família porque, na bem da verdade, não sabia que termos de relacionamento entre nós usaria ao me apresentar. "É a minha futura mulher." "É a minha namorada." "É uma amiga." "É uma..." Mais uma. Detestei muito e falei pouco, engoli sapos, trancafiei desgostos. Vai que você me achasse mais dramática do que já acha?



Voltando ao assunto principal, lá se vai o mundo, dizem que temos pouco tempo, quase nenhum. E a nossa casa na praia? Nossas viagens pelo mundo? Nosso filho que vai torcer para o seu time? Nossos medos dormindo todos os dias lado a lado? E nós? Tudo o que sonhei sozinha, o que acontece?



Está certo, você não tem medo. Fala sempre que o mundo não vai acabar fácil assim porque ainda vai nos triturar bastante. Acredito em você, é apenas questão de honra manter minha veia exagerada e dramática.



Ah... Sei lá, não consigo parar de pensar. Nova Iorque é tão longe, não é? Mesmo assim parece que o furacão – e tudo mais – acontece sempre em nós dois.


O fim do mundo é logo ali. O nosso parece que já até foi.


Camila Costa

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Quem me estuprou.


Hoje fui estuprada. Subiram em cima de mim, invadiram meu corpo e eu não pude fazer nada. Você não vai querer saber dos detalhes. Eu não quero lembrar dos detalhes. Ele parecia estar gostando e foi até o fim. Não precisou apontar uma arma para a minha cabeça. Eu já estava apavorada. Não precisou me esfolar ou esmurrar. A violência me atingiu por dentro.

A calcinha, em frangalhos no chão, só não ficou mais arrasada do que eu. Depois que ele terminou e foi embora, fiquei alguns minutos com a cara no chão, tentando me lembrar do rosto do agressor. Eu não sei o seu nome, não sei o que faz da vida. Mas eu sei quem me estuprou.

Quem me estuprou foi a pessoa que disse que quando uma mulher diz “não”, na verdade, está querendo dizer “sim”. Não porque esse sujeito, só por dizer isso, seja um estuprador em potencial. Não. Mas porque é esse tipo de pessoa que valida e reforça a ação do cara que abusou do meu corpo.

Então, quem me estuprou também foi o cara que assoviou para mim na rua. Aquele, que mesmo não me conhecendo, achava que tinha o direito de invadir o meu espaço. Quem me estuprou foi quem achou que, se eu estava sozinha na rua, na balada ou em qualquer outro lugar do planeta, é porque eu estava à disposição.

Quem me estuprou foram aqueles que passaram a acreditar que toda mulher, no fundo no fundo, alimenta a fantasia de ser estuprada. Foram aqueles que aprenderam com os filmes pornô que o sexo dá mais tesão quando é degradante pra mulher. Quando ela está claramente sofrendo e sendo humilhada. Quando é feito à força.

Quem me estuprou foi o cara que disse que alguns estupradores merecem um abraço. Foi o comediante que fez graça com mulheres sendo assediadas no transporte público. Foi todo mundo que riu dessa piada. Foi todo mundo que defendeu o direito de fazer piadas sobre esse momento de puro horror.

Quem me estuprou foram as propagandas que disseram que é ok uma mulher ser agarrada e ter a roupa arrancada sem o consentimento dela. Quem me estuprou foram as propagandas que repetidas vezes insinuaram que mulher é mercadoria. Que pode ser consumida e abusada. Que existe somente para satisfazer o apetite sexual do público-alvo.

Quem me estuprou foi o padre que disse que, se isso aconteceu, foi porque eu consenti. Foi também o padre que disse que um estuprador até pode ser perdoado, mas uma mulher que aborta não. Quem me estuprou foi a igreja, que durante séculos se empenhou a me reduzir, a me submeter, a me calar.

Quem me estuprou foram aquelas pessoas que, mesmo depois do ocorrido, insistem que a culpada sou eu. Que eu pedi para isso acontecer. Que eu estava querendo. Que minha roupa era curta demais. Que eu bebi demais. Que eu sou uma vadia.

Ainda sou capaz de sentir o cheiro nauseante do meu agressor. Está por toda parte. E então eu percebo que, mesmo se esse cara não existisse, mesmo se ele nunca tivesse cruzado o meu caminho, eu não estaria a salvo de ter sido destroçada e de ter tido a vagina arrebentada. Porque não foi só aquele cara que me estuprou. Foi uma cultura inteira.

Esse texto é fictício. Eu não fui estuprada hoje. Mas certamente outras mulheres foram.


Quer saber quem escreveu esse texto?

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Equação.


Você é uma daquelas equações enormes, que dão dor de cabeça e vontade de desistir trezentas vezes até chegar no resultado final. E o resultado final sempre é 0. Ou 1. Todo mundo é, na verdade. (Uma monstruosidade externa e alguma flor - ou nem isso, às vezes - interna). Mas com você foi total, completa, escrota e pleonasticamente diferente. Eu já sabia o seu resultado quando comecei a te decifrar. De trás pra frente. Tudo é igual, mas dá para ser igual diferente. Quem decidiu isso? Deus? A vida? Destino? Não sei, não sabemos, mas foi, é. Igual diferente. Você, eu, nós, não-nós, nós-inexistente, aquele amor que virá, o ódio também, os que não virão… Semelhante ao resto, mas diferenciado. Vai saber, vai saber.”
Não é pi, nem delta. Nunca vi algo igual. Ninguém me ensinou como resolver. Tá foda.

Texto escrito por Yasmin.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sobre sorrisos e cara amarrada.



Cheguei onde eu queria.
Mas não foi dando sorrisos. Foi com a cara fechada, cara feia e andando torto.
Não fui simpático.
E consegui a imagem que eu queria: de alguém impenetrável, inatingível, inderrubável.
Só imagem.
E talvez tenha sido um erro ter ficado assim.
Agora as pessoas não chegam perto.
Claro, é a imagem, é a cara feia, é a aparência arrogante, é o olhar superior.
Que não representam o que penso e sou.
Talvez seja a hora de abrandar um pouco, abrir um sorriso.
Talvez a cara feia tenha me trazido as conquistas, mas a falta do sorriso me tirou coisas muito importantes.

Texto escrito por Bruno Prado.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Desacerto.



Eu olhei a lua e você as estrelas. Eu vi desenhos nas nuvens e você procurou encarar o sol. Eu quis a noite e você o dia. Agora eu tento contar de todos os dias em que lutei para nos ajustar, de todas as horas passadas na janela esperando você chegar ou apenas passar. Tento contar de todos os planos que me desfiz, de quantas vezes te refiz e de quantos mundos eu pensei em ir para te esquecer, mas você pareceu me acompanhar. Posso deixar uma gravação na secretária eletrônica, um bilhete pela porta e até uma flor na esquina, tudo para te avisar que amor parte, mas não morre, despede-se, mas é reencontro. Para te fazer entender que um quebra-cabeça com a nossa foto é a minha mais nova invenção. Quando eu te li de trás pra frente, amor, eu nunca mais entrei em ordem.
Desacerto. Eu te leio, você me apaga.

Camila Costa.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Tutorial: Seu cabelo como o da Alison Sudol.


Achei esse tutorial no The Beauty Department, e cá estou compartilhando com vocês.
Alison Sudol é uma cantora (linda) americana. Uma de suas músicas é chamada "Now is the Start", inspiração para esse penteado simples e divino!
Quer aprender a fazer?

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Um cheiro.



Cheiro é uma coisa incrível, né? Você é capaz de salivar, vomitar, lembrar, se emocionar, viajar, fechar os olhos e apenas, sentir. Às vezes, gostaria de ter o faro de Fulana, meu Beagle. Mas pensando bem, melhor não.
Consigo lembrar de todos os meus antigos trabalhos, só de sentir o perfume que eu usava na época. Lembro de pessoas com nitidez pelo perfume que usam, ou já usaram.
O perfume Giovanna Baby, por exemplo, me faz lembrar uma paixão da minha pré-adolescência onde quer que eu esteja, seja com quem for. E acho que vai ser assim até eu morrer.
Toda casa tem um cheiro. Pode entrar na casa de qualquer pessoa, que aquela casa vai ter o seu específico cheiro. Se o inquilino mudar, o cheiro também muda. Consigo lembrar do cheiro da casa dos meus pais, da minha casa e a casa de alguns amigos.
Minha mãe odiava que cheirassem sua comida. Ela achava uma deselegância, como se a pessoa quisesse sentir se a comida estava estragada. Muito pelo contrário, eu acho que era para dar mais sabor à comida. Já viu gripado sentir o paladar?
E cheiro de carro novo? Como nunca inventaram um perfume? Um odorizador de ambiente. Tenho certeza que muitos homens usariam no quarto.
Adoro cheirar as coisas. De folha de papel Sulfite a cabelo lavado de mulher. Mas nenhum se compara ao cheiro de chuva.
Também sinto saudades de alguns cheiros: o de dendê na saída do aeroporto de Salvador, do mar, de verde, de estrume de cavalo, de minha mãe.
As pessoas também têm seu cheiro próprio. E o cheiro daquela pessoa? Que você sente a cada fungada no cangote? Você pode até comprar o mesmo perfume, mas aquele cheiro é único. Exclusivo da pessoa.
Confesso que já borrifei, escondido, meu perfume na fronha do travesseiro de uma namorada. Ela só percebia quando deitava na hora de dormir. Mas isso foi há muito tempo, quando eu ainda era romântico.
Deve ser por isso que minha despedida preferida, típica do Nordeste, é: “Um cheiro pra você!”

Matheus Tapioca

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Diga-me.


"O que tinha a vida a prometer-me para eu defendê-la com bravura?"

O calor das coisas - Nélida Piñon.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Gosto dela.



(…) Vou reforçar: eu gosto até dela dormindo. Demorei a entender o nome disso (amor), que fica subentendido entre parênteses porque eu não acho um modo melhor de colocar entre frases e palavras desacertadas com medo de estragar.

— Camila Costa.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Medo de se apaixonar



Você tem medo de se apaixonar. Medo de sofrer o que não está acostumada. Medo de se conhecer e esquecer outra vez. Medo de sacrificar a amizade. Medo de perder a vontade de trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar encontros. Medo se o telefone toca, se o telefone não toca. Medo da curiosidade, de ouvir o nome dele em qualquer conversa. Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo. Medo de se sentir observada em excesso, de descobrir que a nudez ainda é pouca perto de um olhar insistente. Não suportar ser olhada com esmero e devoção. Nem os anjos, nem Deus agüentam uma reza por mais de duas horas. Medo de ser engolida como se fosse líquido, de ser beijada como se fosse líquen, de ser tragada como se fosse leve. Você tem medo de se apaixonar por si mesma logo agora que tinha desistido de sua vida. Medo de enfrentar a infância, o seio que criou para aquecer as mãos quando criança, medo de ser a última a vir para a mesa, a última a voltar da rua, a última a chorar. Você tem medo de se apaixonar e não prever o que pode sumir, o que pode desaparecer. Medo de se roubar para dar a ele, de ser roubada e pedir de volta. Medo de que ele seja um canalha, medo de que seja um poeta, medo de que seja amoroso, medo de que seja um pilantra, incerta do que realmente quer, talvez todos em um único homem, todos um pouco por dia. Medo do imprevisível que foi planejado. Medo de que ele morda os lábios e prove o seu sangue. Você tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo. O corpo mais lado da fraqueza. Medo de que ele seja o homem certo na hora errada, a hora certa para o homem errado. Medo de se ultrapassar e se esperar por anos, até que você antes disso e você depois disso possam se coincidir novamente. Medo de largar o tédio, afinal você e o tédio enfim se entendiam. Medo de que ele inspire a violência da posse, a violência do egoísmo, que não queira repartir ele com mais ninguém, nem com seu passado. Medo de que não queira se repartir com mais ninguém, além dele. Medo de que ele seja melhor do que suas respostas, pior do que as suas dúvidas. Medo de que ele não seja vulgar para escorraçar mas deliciosamente rude para chamar, que ele se vire para não dormir, que ele se acorde ao escutar sua voz. Medo de ser sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa, recolhida como se fosse paz. Medo de ser destruída, aniquilada, devastada e não reclamar da beleza das ruínas. Medo de ser antecipada e ficar sem ter o que dizer. Medo de não ser interessante o suficiente para prender sua atenção. Medo da independência dele, de sua algazarra, de sua facilidade em fazer amigas. Medo de que ele não precise de você. Medo de ser uma brincadeira dele quando fala sério ou que banque o sério quando faz uma brincadeira. Medo do cheiro dos travesseiros. Medo do cheiro das roupas. Medo do cheiro nos cabelos. Medo de não respirar sem recuar. Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do medo. Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja ansiedade. Medo de não soltar as pernas das pernas dele. Medo de soltar as pernas das pernas dele. Medo de convidá-lo a entrar, medo de deixá-lo ir. Medo da vergonha que vem junto da sinceridade. Medo da perfeição que não interessa. Medo de machucar, ferir, agredir para não ser machucada, ferida, agredida. Medo de estragar a felicidade por não merecê-la. Medo de não mastigar a felicidade por respeito. Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la. Medo do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar. Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que terminou. Medo de faltar as aulas e mentir como foram. Medo do aniversário sem ele por perto, dos bares e das baladas sem ele por perto, do convívio sem alguém para se mostrar. Medo de enlouquecer sozinha. Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha. Você tem medo de já estar apaixonada. 

Fabrício Carpinejar é um poeta e jornalista brasileiro. Nasceu em 23 de outubro de 1972 no Rio Grande do Sul e é mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS. 

Vi lá no sometimeluv.blogspot.com.br

ShareThis