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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Seu amor sem jeito.



     Ela não tinha jeito. Apaixonava-se pelos piores rapazes. Os incompreendidos e oprimidos - que realmente não tinham chance na vida - faziam parte do topo da sua lista de desejos. Quando a reprimiam por dar tanto de si por nada em troca, ela baixava a cabeça e saia, deixando qualquer um sem uma explicação sequer. Afinal, nem ela entendia direito o tamanho da sua obsessão pelos delinquentes. Apenas havia algo neles que a atraia. Seus amigos, aqueles que nunca tentaram entender todos os seus atos de "bondade", acreditavam que tudo aquilo era culpa dos pais que nunca estiveram com ela de verdade. No entanto ela nunca fora, para todos aqueles rapazes, o tipo de mãe que abrigava mil crianças num casebre abandonado. Ela era do tipo que observava os mais moribundos nos becos da cidade, escolhia o de pior situação e chegava de manso, fingindo estar interessada no cigarro e por vezes na heroína. Mesmo rodeada de tamanhas drogas, nunca experimentou nenhuma, apenas por não ter vontade. Não era viciada. Longe disso. Só queria ficar ao lado de quem pouco vivia a vida.
     Tentou infinitas vezes tirar todos seus amantes e amores dessas vidas desgraçadas, e em todas as vezes... Falhou. Quando estava com João (que carinhosamente fora apelidado de Raposo) estava prestes a tirá-lo daquele mundo para trazê-lo à vida real, só que no último minuto encontrou-o perto da sua lanchonete preferida, estatelado no chão frio de uma madrugada de novembro. Overdose. Fora disso que ele e mais dois de seus namorados morreram desde o início da sua interminável jornada. Raposo era o mais controlado e ainda assim se desesperou. Morreu. Assim. Rápido. Pausado.
     Ela? Chorou até não ter mais lágrimas. Se tornara rotina depois de anos. A maioria chegou a amá-la e desejá-la para o resto de suas vidas, alguns se foram sem nem tentar, outros desistiram no primeiro mês, alguns terminavam por achá-la dedicada demais ao que já estava por um fio, e outros, como Raposo, tentaram de verdade, mas não conseguiram. 
     Depois de muito, ela decidiu não desistir. Não tinha culpa se nunca de apaixonou pelo certinho, pelo galã, pelo educado. No fundo ela queria fazer qualquer bem para a sociedade. Para ela mesma. E era assim que ela viveria. Por Raposo, Thiago, Marcolino ou Mateus. Por todos aqueles que fizeram-na feliz durante suas breves estadias. Porque era apenas eles que ela conseguia amar. Do jeito dela. Sem jeito.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O Canto Derradeiro

                                  


O dia é cândido e álacre lá fora, o primeiro depois de uma temporada de dias barulhentos devido à chuva e noites aterradoras.
            A menina acorda feliz, acorda sem medo. Muitas noites acordava pávida e seus sonhos logo eram preenchidos de terror e desgraça. Assustava-se com o barulho dos trovões, às vezes ousava encolher-se nos cantos da cama dos pais (apenas o fazia quando era incontrolável o medo, não queria incomodá-los) e o aconchego da cama deles lhe garantia total segurança naquelas noites.
            Abre a janela e banha-se com o sol antes discreto e tímido, agora invulnerável, banha-se com a felicidade, com a vida. Os pássaros cantam nas árvores ainda úmidas como a convidarem todos a cantar uma prolongada música indefinida, as crianças brincam no parque como se a vida não pudesse melhorar. O dia é cândido e álacre lá fora.
            Vai à cozinha com o pijama cor-de-rosa e as pantufas que aquecem os pés nus. Acostuma-se ao movimento matinal, o cheiro do café da manhã, os olhos ainda demoravam-se a abrir, achavam que ainda era sonho.
            A prova que constatara que aquilo era real era que... na verdade, nada constatara. Bem que podia ser um sonho mesmo. Achava tudo aquilo tão irreal que até sorriu.
            Recentemente a menina havia conhecido uma amiga, de nome Bárbara, enquanto brincava com suas bonecas.
            - Está muito moça para ter amigos imaginários, dizia a mãe.
            Encolhia-se. Não escondia em seu rosto jovial o ar de desapontamento. Era certo que os pais estranhavam ela de ter amigos imaginários, mas o que estes possivelmente diriam das pessoas reais? É porque a menina achava que a realidade não existia.
Eu: Não te entendo.
Menina: Somos dois então.
Eu: Se a realidade não existe, o que sou eu?
Menina: Você? Não sei. Você é o narrador e me criou. Já eu sou a realidade.
Eu: Ainda não entendi o que é a realidade.
Menina: A realidade é indefinível, a realidade é nada, é tudo. Quem garante que o imaginário não é a realidade e a realidade parte daquilo do que para você, ser não real, não existe?
Eu: De onde você tira essas coisas malucas? Nada entendo daquilo que você fala.
Menina: Não falo, penso. E você que me criou, devia me entender, presumo. Aliás, acho que estou chegando a uma conclusão quase que plausível: minha vida é uma vida dentro da sua, a única diferença é que eu sou você realmente, e você é apenas uma ilusão.
Eu: Você é muito nova para pensar nessas coisas. Acho você louca.
Menina: Agradeço ao senhor por me fazer imperfeita. Quanto a esse negócio de idade, acho tolice: mamãe disse que sou muito velha para amigos imaginários, então não entendo mais nada.
Eu: Voltemos à história, antes que você enlouqueça a todos.
Redijo tal conversa para que entendam o motivo que levou os pais da menina a lhe darem tal presente. Presente? Sim, havia esquecido: era aniversário.
            Aniversário que era de diversas vezes comemorado com um bolo e um singelo presente qualquer: desde sempre havia se contentado com tudo e dela emergia felicidade espontânea quase que contagiosa.
            E era dessa felicidade momentânea que ela deliciava-se ao correr dos segundos. Logo após receber os parabéns, olhou para a mesa e de lá pecaminosamente veio a tentação. Seus olhos devoravam em puro devaneio quando de repente o presente foi estendido em sua frente. Dessa vez achou que se tratava de um presente insólito. O que concluo é que nada passou de rápida e passageira curiosidade. O presente, envolto em fino tecido branco, parecia-lhe ousado como as cortinas de um teatro que se espera ansiosamente por se abrir. 
            Impetuosamente, tira bruscamente o tecido, e revela-se então uma gaiola branca e dentro dela, um pássaro.
            Trata-se de um pássaro pequeno, vadio e infeliz, cuja tristeza fora encoberta devido à beleza de sua prisão perpétua, uma rosa a ficar presa nela com um cartão de parabéns.
            Após agradecer aos pais, decide levar a pesada gaiola ao quintal e lá se senta ainda de pijama. O sol bate em seu rosto mas não se importa, ainda sente a vida bater em seu corpo com a mesma intensidade, nada era melhor.
            Estuda um pouco o espaço silenciosamente. Os pássaros continuam com suas melodias, as crianças com suas brincadeiras, e ela a ficar sentada olhando para o nada.
            Chega até a ser legal. Tinha gosto de sentir nada. Dentro dela um vazio inexplicável e nada fazia, nada falava. Encara às vezes o pássaro. Nada ele fazia também.
            Olha para o lado e estremece: Bárbara ao seu lado olhando para o mesmo nada. De repente ambas se olham. O silêncio é grande e angustiante, mas é bom. A menina odiava falar porque para fazê-lo era necessário pensar e pensar cansava. Preferia o silêncio monótono das coisas. O dia é bonito e quente e seus olhos gozam de prazer. O resto do corpo é frio e morto.
            Bárbara está inquieta mas nada diz. Percebe sua respiração abafada e nada diz também. Bárbara inclina a cabeça e analisa o pássaro vadio. É tão triste que a manhã chega a escurecer também. Não piava, não cantava, apenas servia de exposição. Era difícil respirar e viver. Que alguém o mate, por favor, antes que o sofrimento seja colossal.
            Pela graça de Deus nenhuma delas tinha o mesmo pensamento que eu. A menina demora a entender, mas olha para o pássaro também. Olham-se novamente. Silêncio. Pássaro. Olhar. Silêncio. Pássaro.
            O silêncio é vibrante e o mundo começa a gritar. É ensurdecedor e ambas começam a tremer de angústia. Bárbara implora qualquer coisa que a menina não entende. Quebraria o silêncio e então Bárbara poderia dizer o que tanto gostaria, mas era difícil e tudo cansava.
            Bárbara é obediente e não ousa passar por qualquer barreira que a leve ao mundo real antes da permissão de seu intermédio real-imaginário, que seria a menina. Suplica por qualquer palavra mas não sabe de onde tirar. É difícil pensar.
            É difícil e tem vontade de chorar, mas não o faz.
            É a hora da verdade e a verdade exige grande silêncio de meditação. A verdade é dita pelo pássaro mas este não diz nada. A verdade é expressa por telepatia ou qualquer outra coisa que não consigo raciocinar no momento. O tempo é meio pau-sa-do e quando se vê o cenário é assim: a menina olhando o pássaro, o pássaro, que há pouco ousara levantar sua cabeça imunda, erguendo seus olhos miúdos e temerosos para a menina. Bárbara é uma estátua imaginária colorida e nada diz nada sente nada faz.
            A menina hesita, encara Bárbara, que a ignora, queria acabar logo com aquilo, estava agonizando-a.
            Foi quando, escrupulosamente, abre-se a portinha da gaiola. O pássaro tem medo e se contorce um pouco. Olha a menina e ela o pega pela barriga e o joga para longe.
            Ele não entende. Está confuso, está no ar batendo as asas para não cair. Sim, tem medo mas voa. Nunca aprendera a voar mas voava. Tinha medo dessa liberdade dada gratuitamente da menina, tinha medo de viver porque nunca vivera antes e achava perigoso: desde sempre havia achado a gaiola o lugar seguro para os pássaros. Mas não tinha escolha agora. Voava para qualquer lugar e sentia o ar, sentia a vida, que logo percorria por todo o seu corpo magricelo e imundo, sentia-se vivo e feliz. Sentia um pouco de frio porque anoitecia, mas pouco se importava também. Às vezes aventurava-se voando de quando em vez com os olhos cerrados, aproveitar um pouco mais aquele momento. Pássaros não riem mas ele estava rindo e sorria de uma forma que tornava o mundo inteiro feliz. Uma vez até piou de tamanha felicidade. Era bom viver.
            A menina é chamada pela mãe. Daqui a pouco anoitece. Não tinha desculpa alguma para o “desaparecimento” do pássaro. Olha para o lado mas Bárbara não está lá. Levanta-se, pega a gaiola e entra em casa.
            Chega uma hora em que nada é mais que um devaneio e a realidade chega a ficar em segundo plano. Não sabia nada mas vivia, até estava gostando dessa ignorância pura, e era bom.
            A cantar, a rodopiar, a rir, a piar, a cantarolar, a dançar, a viver, a... BUM. BUM. O barulho é baixo mas o silêncio após é tão alto que chega a doer os ouvidos. Ele cai nas folhas amareladas e os olhos estão arregalados. É quando percebe-se que duas crianças brincavam com estilingue e um deles o acertou na cabeça. Percebem, veem o animal morto, e saem correndo. O pássaro caiu e agora o silêncio é tão grande que parece que já estamos no funeral. Sua respiração é abafada mas o silêncio grita e o interrompe. Está tonto. Sente o cheiro de terra úmida e sorri. Ao redor, ninguém vê nada. É um pássaro magro, fraco, vadio, quem repararia? Os olhos vão se cerrando. Ainda não escureceu. O crepúsculo se aproxima.
            Ele sorri pela última vez. Morre feliz.
            O dia é cândido e álacre lá fora.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Prefiro conto de fadas.


Neles, apesar do mau existir, o bem sempre vence no final. Na vida real, não se sabe nem quem é mocinho, e quem é vilão; imagina pra saber quando é o fim. Veja na minha história: os supostos mocinhos se tornaram vilões; o suposto amor se tornou sujeira (que aliás, fedia a infidelidade); e a suposta moral virou "Olhe com olhos desconfiados. A traição pode estar debaixo do seu nariz". Veja você mesmo: não estou nem usando um vocabulário rico, cheio de palavras enfeitadas. Isso porque estou decepcionada com meu suposto conto de fadas que se tornou apenas uma história da vida real. Dessas que não são fantasiosas, nem possuem fadas ou unicórnios. Das que não fazem nem sentido contar. E este é o suposto fim... Ou não. Mas gosto de acreditar que não terão novas discórdias e piores decepções. Afinal, a história não precisa ter um final feliz, precisa apenas... Acabar.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Casaco Roxo



Eu estava olhando pela janela enquanto chovia. Eu gostava de olhar a chuva, sentir sua brisa fria, principalmente quando a alternativa era estudar geografia. Tentei me distrair dos pensamentos que me assombravam. Em vão.  Eles não paravam de voltar. De repente algo me chama atenção. Um vulto na chuva. Saltitante e cheio de  alegria. Quando outro vulto num casaco roxo atira no 1º vulto. Ele cai. Eu me abaixei na mesma hora por 2 motivos: 1º O tiro me assustou. 2º Fiquei com  medo que o atirador me visse. Lentamente levantei a cabeça. Não havia nada lá. Nem corpo ensanguentado, nem vulto. Nada. Convenci-me que estava assistindo filmes demais. O problema é que tudo pareceu tão... Real. Mas, resolvi esquecer.  Ninguém acreditaria em mim. Nem se eu jurasse, com o meu passado, eles diriam que eu estava alucinado. De novo. Fui dormir. Então senti  uma força inexorável comprimindo-me o peito e quando abri os olhos, vi o casaco roxo e comecei a gritar. E abri os olhos de novo, de verdade dessa vez. Senti os braços macios e quentes de minha prima me envolvendo. 
- Calminha... Foi só um pesadelo.  Shhhhhh- Ela, vendo que eu me acalmara, voltou a seu quarto e eu voltei a dormir e dessa vez só acordei de manhã. Fui ao banheiro e depois peguei minha farda que estava na cadeira. Pensei que o dia poderia ser frio, então abri meu armário atrás de um casaco. E no meio de tantas blusas, saias, calças, vestidos,   estava ele: o casaco roxo. Eu dei um grito e cai para trás, flashback veio em minha mente: Eu que tinha saído naquele sábado chuvoso, num casaco, eu tinha pego a arma  de meu pai “emprestada”. Eu tinha  tirado a alegria daquele vulto na chuva. Aquele vulto que era meu ex-namorado. E então eu não estava mais no meu quarto e sim, numa sala toda branca, só com uma portinha. Por essa porta entra um homem de azul e diz:
- Hora do remédio, Clarissa!

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